Esta página disponibiliza todos os trechos selecionados das cartas escritas por Oswaldo Cruz, para acesso por pessoas que utilizem leitores de tela ou necessitem de facilitação de acesso ao conteúdo do mapa.
O porto do Rio de Janeiro foi o ponto de partida para as duas etapas da expedição realizada por Oswaldo Cruz: na primeira, realizada em 1905, o cientista foi em direção ao norte do país, chegando até Manaus (AM).
A carta que abre esta série foi escrita em 28 de setembro quando, devido ao mal tempo, o navio República ainda estava na Enseada de Botafogo. Oswaldo Cruz prometia à sua esposa que iria fazer um diário da viagem, e o iniciava com o seguinte relato:
Querida Miloca
"...Depois de ter lido algumas linhas e enquanto espero o almoço, resolvi iniciar nossa correspondência. São 9 horas da manhã. Cahe uma garôa incômoda e o navio está immóvel, enquanto fóra da barra o mar ruge enfurecido."
2 de outubro de 1905
Querida Miloca
"Passamos pela Cidade de Espírito Santo, antiga Vila Velha, outrora capital do estado(...). Consegui apanhar alguns mosquitos e larvas. No alto do morro da Penha, no convento a que acima alludo, encontrei um indivíduo com febre intermitente, do qual consegui colher várias lâminas de sangue."
2hrs da tarde de 5 de outubro de 1905
Minha Querida Miloca
"Mais adiante, a estação da Estrada de Ferro Bahia Minas, (que vai de Caravellas até Theóphilo Ottoni) e no fundo do braço de mar, repousando às margens desse mar sereno, jaz Caravellas, pequena cidade velha, quasi em ruínas, sem água, sem exgottos, sem hygiene, habitada por uma pequena população de pescadores. O commercio, a não ser o da pesca da baleia, é nullo".
2hrs da tarde de 5 de outubro de 1905
Minha Querida Miloca
"Na travessia [de Prado a Porto Seguro] vimos diversas baleias atirando aos ares altas columnas d’água, saltando, fazendo cabriolas, ou fugindo espavoridas diante dos espadartes que, impiedosamente fustigavam-nas com suas longas espadas dentadas. (...) Photografamo-las de todos os modos."
"(...) fomos recebidos pelo Intendente de terra. Estava fazendo seccar umas sementes de cacao, e a nosso pedido deu-nos uns pedaços do verdadeiro páo brasil, a madeira que fez com que à nossa terra fosse dado o actual nome. (...) No meio dum descampado ergue-se uma cruz no mesmo ponto onde levantaram a primeira cruz e onde foi celebrada a primeira missa. Photographamo-la de todos os modos e volvemos a bordo."
3 h. t. de 11 de outubro de 1905
Querida Miloca
"Atravessamos a bahia e fomos à Ilha de Itaparica, célebre pelas mangas e como estação de cura para o beri-beri, e ahi visitamos o lazareto (...) velho pardieiro mal enjambrado, mas onde o Dr. Raymundo de Andrade, para ser-me agradável, tinha mandado por umas telas de arame, uns tambores e outros dispositivos referentes à prophylaxia da febre amarella. (...) Junto ao hospital e a ele pertencendo, ergue-se uma capellinha, que visitei; mais além um tosco cemitério onde repousam os desgraçados, victimados quasi todos pela febre amarella."
"A cidade é um verdadeiro mimo. As ruas perfeitamente alinhadas e perpendiculares entre si dão à cidade um aspecto de tabuleiro de xadrez. O calçamento relativamente bom, as árvores copadas e viçosas darão um abrigo delicioso por occasião da canícula."
3 h. t. de 11 de outubro de 1905
Querida Miloca
"Recomeço a escrevê–la subindo o São Francisco em caminho de Penedo e desfructando um dos mais bellos espetáculos que nos tem sido dado contemplar. (...) São 11 horas da noite: o luar lindíssimo reflecte-se nas águas serenas do São Francisco."
17 de outubro de 1905 – às 4 horas da tarde
Minha querida Miloca
"[Em Maceió] Apareceu-nos um irmão do deputado [Raymundo de Miranda], que teve o topete de me perguntar: - Dr., aquela história de matar mosquitos no Rio deu algum resultado? Calei-me. (...) Depois do jantar fui para o fundo da casa com a velha procurar larvas de mosquito, de que trouxe um vidro cheio."
20 de outubro de 1905
Querida Miloca
"Seguimos em direção a Tamandaré, onde deveríamos visitar o lazareto. (...) Fomos recebidos pelo Dr. Samuel Hardman que immediatamente conduziu-nos a inspescionar as edificações. Não imaginas que mundo de edifícios e que bellezas de construcções feitas pelo Souza Aguiar. Fiz várias photographias."
Minha querida Miloca
Em companhia do Octavio de Freitas visitamos todos os pontos da cidade que mais nos interessavam. Tomamos um carro e visitamos: mercado, fornos de incineração de lixo, hospital da Mizericordia, Instituto Vaccínico, Dispensário da Liga contra a Tuberculose, Instituto Pasteur. (...) Terminado o almoço, caminhamos a pé afim de visitarmos a repartição de saúde dos portos. Conversamos e tomamos nota das providências a tomar.
20 de outubro de 1905
Querida Miloca
"Cabedello é um pequeno lugarejo à margem direita do Parahyba, com uma antiga fortaleza, datando dos tempos da invasão hollandesa, com uma estação de estrada de ferro Great Western, secção Conde d’Eu, com uma ponte onde atracam os navios para receber e descarregar mercadorias".
20 de outubro de 1905
Querida Miloca
[Parahyba é uma] Pequena cidade de 10.000 almas, mal tratada, construída numa encosta, com muitas ladeiras. Tem bonds, não tem água canalizada nem exgottos.”
21 de outubro de 1905 (Canal São Roque – Rio Grande do Norte)
Minha querida Miloca
"Fui apresentado ao engenheiro Carneiro da Rocha (...) encarregado da construção da Estrada de Ferro da Penetração, cujo intuito é levar os necessários socorros às populações flagelladas por uma secca que já dura 5 annos! (...) À tardinha recolhemo-nos; conservei alguns mosquitos colhidos em todos os portos."
25 de outubro de 1905
Minha querida Miloca
"Areia Branca é uma aldeia flagellada pela secca de 4 anos! (...) O aspecto destas zonas áridas cortadas de fossos ressequidos e tisnados de vermelho dá idéia da peste esquálida do faminto e sedento, (..) que, no anno passado, acummulados aos 10 e 20.000 em Macau e Mossoró, morriam sedentos e esfaimados pelas ruas. (...) E os navios ancorados nos portos levavam estes infelizes para zonas onde havia água, o valle ubérrimo do Amazonas. Mas ahi ainda a negra morte apareceu-lhes de novo, sob o aspecto da terrível sereia de olhos verdes e cabelos de algas: o impaludismo, que vinha coroar a obra de extermínio inniciada pela secca."
1 de novembro de 1905
"Compramos o romance de José de Alencar, “Iracema”, que é a lenda do Ceará. Lemos dum trago o poético romance que teve para nós, agora conhecedores dos hábitos do Ceará, encantos não conhecidos. (...) fomos procurar num arrabalde a célebre lagoa da “Porangaba” onde Iracema ia banhar-se. Depois todas as mães iam banhar as filhas afim de que ellas se tornassem bellas."
2 de novembro de 1905
"... Camocim, pequena cidade nova, porto importante do Ceará, ponto de partida duma estrada de ferro que vai a Ipu, passando por Granja e Sobral. Coisa interessante: eram 5 hs da manhã e todas as casas já estavam abertas e as famílias sentadas tomando café! Que madrugadores!"
2 de novembro de 1905
"Fundeamos às 6½ da tarde diante da Amarração. A correnteza do Parnahyba era tão forte que o escaler do República não pode vencê-la. (...) O vento redobrou de intensidade. Na entrada da barra levantaram-se ondas alterosas que encontravam a proa do navio, a correnteza era intensíssima, estávamos em plena prea-mar."
30 –X -5
Official
Dr. Ezequiel Dias, Director Serviço Sanitário
São Luiz, Maranhão
Devemos ahi estar amanhã à primeira hora. Peço evite mais possível recepções ou manifestações doutra natureza porquanto penosa travessia últimos dias canssaram-nos demasiado. Saudades. Lembranças do Pedroso.
Gonçalves Cruz – Director Geral da Saúde Pública.
Bordo República.
23 – XI – 05
Dr. Rocha Lima
Peço obséquio mandar culturas paratyphicas A e B e todas amostras typho para o Dr. Figueiredo Rodrigues e Thomas em Manaus. As culturas bem acondicionadas deverão ser entregues Niemeyer que expedirá intermédio commandante navio Loyd ao Dr. Nemésio Quadros, inspector porto, que deverá ser prevenido telegrapho. Aceite sinceras felicitações e estreito abraço dia 24 a que associa-se Pedroso.
O porto do Manaus foi o ponto final da primeira viagem. Em Belém, Oswaldo Cruz enviou um telegrama ao Ministro do Interior:
Urgente Official
23 –XI- 05
Sr. J. J. Seabra – Ministro Interior
Rio
Tendo terminado inspecção portos Norte visita Manaus, tenho honra levar conhecimento V. Excia nesta data parto do porto Belém para Pernambuco seguindo depois Rio.
Respeitosas saudações
Gonçalves Cruz
Bordo “República”.
19 de janeiro de 1906
Minha querida Miloquinha
[Em Santos] Visitamos a cidade e o Hospital de Isolamento em companhia de varios collegas. Falei pelo telephone com o [Emilio] Ribas em São Paulo. Passeámos de carro, fomos à Rua do Ouvidor de Santos, à Rua 15 de Novembro e voltamos para bordo onde recebi ainda algumas visitas.
19 de janeiro de 1906
Minha querida Miloquinha
"Fui recebido aqui pelo Inspector do Porto, Dr. Coelho Moreira, e por todas as autoridades de Paranaguá, cerca de 20 pessoas. (...) Visitamos o lazareto na Ilha das Cobras, a nova alfândega. (...) Escrevo-te esperando a hora para irmos assistir a uma ‘première’ que terá lugas no theatro da terra, onde será representada uma revista dos acontecimentos da terra."
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca
Seguimos para São Francisco, Itajahy, Florianópolis e Rio Grande. Nestes portos demoramos horas e descemos quando éramos recebidos por autoridades que tomaram-nos todo o tempo.
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca
Ao Rio Grande chegamos num dia e partimos no immediato pela manhã. Visitamos pontos afastados da cidade e percorremo-la quasi toda.
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca
Partimos do Rio Grande e no dia immediato às 2 horas da tarde estávamos em Montevideu, por onde tratamos rapidamente, seguindo à tarde para Buenos Ayres à bordo d’um navio bem confortável, o “Venus”.
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca
Após um curto passeio pela cidade tomamos um trem e seguimos para Rosário onde, após uma terrível viagem poeirenta de 320 kilômetros, tomamos o navio em que estamos, o “Madrid”, e que há 5 dias navega, devendo chegar amanhã a Assumpção, donde dato esta carta.
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca
Tenho visto os locais em que se desenrolaram os acontecimentos da Guerra do Paraguay, e aos quais meu querido Pai (...) referia-se sempre em linguagem tão realada pelo patriotismo: Mercedes, Riachuelo, Curuzu, Humayta e outros tantos portos em que nosso pendão cobriu-se de memoráveis glorias e que respeitoso contemplei em patriótico êxtase. Levo numerosas photographias de todos estes pontos.
O porto de Corumbá foi o ponto final da segunda viagem, iniciada em 17 de janeiro de 1906. No retorno ao Rio de Janeiro Oswaldo Cruz passou novamente nos portos de Assunção e de Buenos Aires. Sobre Corumbá fez o seguinte relato à esposa:
31 de janeiro de 1906
Minha querida Miloca,
Temos visto coisas extremamente interessantes: a praga de gafanhotos é uma devastação terrível que aniquila as searas, as creações de gado, o mato, o quebracho, os jacarés, etc.